domingo, 13 de agosto de 2017

CRÔNICA PARA UM SALTO ALTO

Criança tem uma imaginação incrível. Toda criança adora usar os sapatos de salto alto da mãe. Eu não era diferente. Devido à pólio, eu só me locomovia com tutor nas pernas e bengalas ou engatinhando pelo chão. Era nessa segunda modalidade que eu dava asas à imaginação. Com os sapatos de minha mãe encaixados nas minhas mãos pequeninas, eu engatinhava pela casa, me sentindo importante. O toc-toc dos saltos anunciava a minha chegada, que era motivo de muitas risadas. Para mim, não havia qualquer diferença pelo fato dos sapatos estarem nas mãos, e eu imaginava ser uma artista de cinema, ou uma bailarina ou,talvez, uma professora chique. Sempre trabalhei com a minha imaginação. Para fugir um pouco das intempéries da vida, que não foram poucas, eu me refugiava na própria mente e sonhava muito; construía estórias que nunca chegariam ao papel. O pensamento deve ter muita força, pois, de tanto sonhar, não é que realizei alguns? Como toda boa adolescente, sonhei com amores grandiosos e diferenciados e acabei tendo alguns bem diferentes, mas não grandiosos. Sonhei em viajar pelo mundo, um sonho quase impossível. E tive oportunidades de conhecer um pouquinho do mundo. Sonhei em mudar o mundo (quem não sonha?). Hoje, no trabalho voluntário, posso não mudar o mundo, mas sei que o torno um pouco melhor. Mas devem se perguntar: a crônica não é para um salto alto? Voltarei a ele. Um sonho nunca realizado foi ter um par de sapatos com aqueles belos saltos altos e finos. Eu via minhas irmãs saírem com seus saltos, muito elegantes, com pés inclinados e panturrilhas salientes (que, nessa época, eram simples batatas da perna). E lá ía eu sonhar com saltos para os meus pés pequenos que, já adulta, calçavam numeração 28 ou 29. Ía para festas, bailes e reuniões com meus sapatinhos baixinhos comprados nas seções infantis das sapatarias. Nada de saltos altos nos 15 anos, nada nas festas do trabalho, nem sequer nos casamentos que ía. Sapatos, sapatilhas, sandálias...tudo baixinho! Na maturidade, a minha numeração aumentou. Uau! Agora já calço 32! As meninas também gostam de saltos e consigo achar nas lojas uns de salto grossinho. Mas aqueles do sonho, altos e finos...nada! Então, já quase sexagenária, encontro os saltos dos meus sonhos. Ao separar sapatos doados ao bazar em que trabalho, salta aos meus olhos um par de sapatos de verniz preto com ousados saltos cor de coral. Numeração 33. Com emoção, calcei um deles, como se fosse a própria Cinderela. Ficou firme no meu pé e já me vi saindo para uma festa com meu salto coral.¨ Ninguém me contou que aqueles saltos altos e finos dos meus sonhos, eram comandados por pernas fortes, panturrilhas competentes, tornozelos firmes. Ó dor...quando os calcei de verdade, os tornozelos molinhos não seguraram os saltos, as pernas sem segurança foram para os lados, os sapatos cambaram, o sonho desmoronou. Cheia de autocomiseração, comecei a ficar triste. Só uns cinco minutos antes de cair em risadas. ¨Quem nasce abacaxi, nunca virará uva¨, não é assim o ditado? Saltos altos não são para os meus pezinhos mínimos e deformados, minhas ¨patinhas de elefante bebê¨, como carinhosamente os chamo. E, a esta altura da vida, que importância tem isso? Fiz tanta coisa na vida sem precisar de saltos altos e finos...(apesar de serem cor de coral...sniff!) Ao longo da minha vida, sonhei muito, criei estórias, vivi a realidade e me tornei um ser humano digno. Os sonhos, realizei muitos; outros deixei pelo caminho. Este, dos saltos e finos, também abandonei. Alguém de pés pequeninos e firmes ficará feliz por encontrá-los. Quanto a mim, olho-os com cobiça pela última vez, e faço um carinhos nos meus pés molinhos e fofos. É com eles que preciso continuar!

segunda-feira, 6 de junho de 2016

ESFINGE



Você pode me olhar e não me ver,
Pode me tocar e nada saber,
Do meu calor ou da minha frieza.
Pode fitar meus olhos.
Mas...e se eu os fechar?
Pode ouvir minha voz.
Mas e se eu a falsear?
Como descobrir minha natureza?
Pode ser até que você queira
E até mesmo implore.
Esperta, eu sou esfinge.
Qualquer descuido e
Talvez eu lhe devore.
Mas se você me ler...
Então tudo muda.
Sentirá minha alma desnuda,
Essência pura, despudorada,

Ilha recôndita, enfim desbravada.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

AMOR DE GUEIXA


Por que, meu Deus, amo um amor tão desvairado?
O meu amor é pedinte sem guarida
Nasce e cresce todos os dias
E retorna ao meu seio quase sem vida.
O meu amor é humilde e carinhoso
Dá-se inteiro e tímido, em verso e prosa
Vive de olhares e palavras ambíguas
O espinho que recebe, ele transforma em rosa.
O meu amor é caudaloso
Para logo ser estancado
Não tem retribuição nem carinho
É um amor sozinho, abandonado.
É uma incógnita para mim, como resiste
Um amor tão doce, sem alimento
É infeliz, mais do que triste
Mas não deixa de amar um só momento.
Ele persiste simplesmente
Por vontade, por querer, por teimosia
O meu amor é fogo ardente
Que não se apaga frente ao vento
O meu amor vive sem alento

O meu amor é mais triste a cada dia.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Histórias de Lúcia, uma cadeirante

A Dança em minha vida
       Nasci na primavera de 1958. Na primavera portuguesa, pois foi lá que nasci. De relevante no meu nascimento, é que minha mãe teve pressão baixa e perdeu as forças, e eu fiquei no meio do caminho... Um médico prestimoso deu uma injeção brava em  minha mãe, para que ela tivesse algumas contrações a mais e eu nasci. Ela sempre me contava que eu era um bebê bonitinho, mas tinha um nariz um tanto avantajado para um bebê e logo me chamaram de Pinóquio. Minha avó, que morava no Brasil e foi para o meu nascimento, compadeceu-se de mim e decretou:
_ Ela será a mais bonita das tuas filhas!
       Nenhuma das profecias se concretizou. Meu nariz não é pequeno, mas é charmoso (modéstia às favas!) e jamais eu poderia ser comparada a Pinóquio. Também não sou a mais bonita da família, mas estou satisfeita com o que Deus me deu.
       Dizem que mal comecei a andar e já corria. Gostava de dançar em lugares esquisitos como em cima da mesa ou em parapeitos de janelas. Minha mãe falava que eu gostava de perigo, mas eu acho que eu queria aproveitar o pouco de liberdade que me restava...e seria muito pouco tempo, como verão a seguir.
       A verdade é que a dança sempre me encantou. Adoro assistir espetáculos de dança, musicais, ir a bailes, filmes com danças. Quando meu pai colocava meus pezinhos em cima dos seus grandes pés (número 44) e dançava comigo pela casa afora, eu me sentia no Paraíso. E por que ele fazia isso? Já conto a vocês.
        Quando eu tinha 1 ano e 9 meses, uma doença terrível se apossou de mim, a poliomielite, mais conhecida como paralisia infantil. Eu fiquei muito mal durante alguns dias, com muita febre e muitas dores e quando ela foi embora, deixou uma herança maldita, a sequela. Eu fiquei paralisada da cintura para baixo. Os pormenores deste triste episódio serão assunto para outro capítulo. Afinal estamos falando da dança em minha vida, um assunto muito mais interessante.
       E aqui, relembro que minha mãe comentava que suas lágrimas secaram quando eu tive pólio. Eu ficava profundamente triste por minha mãe não poder mais chorar, pois há momentos da nossa vida que só o choro pode aliviar a nossa dor. Então as dores dela deviam ser maiores que as minhas, pois eu podia chorar... Quando ela ficou bem velhinha, ela reaprendeu a chorar. E chorava por tudo, com os filmes, as novelas, os telejornais. E eu, olha a ironia, ficava contente de vê-la chorar: eu não tinha secado as suas lágrimas!
       Com três anos de idade e após alguns tratamentos, que renderão outra história, eu fui fazer minha reabilitação e voltei para casa andando com aparelhos (tutores) nas pernas e reluzentes bengalinhas canadenses. Então meu pai me colocava para dançar, com meus pezinhos apoiados nos seus grandes pés. Uma maravilha!
       Pensem! Nos anos 60, esses aparelhos ortopédicos eram bem pesados e precários. Eu tive vários, à medida que ía crescendo e alguns me machucavam, com outros caía amiúde, enfim eram necessários, mas não eram nada confortáveis.
       Foi também no começo dos anos 60, que surgiu o “twist”! Essa palavra significa torção, torcer. Peço licença para citar a Wikipédia:
“O Twist é uma dança típica dos Estados Unidos que tem como origem ritmos como rock and roll, jazz e outros. A dança se expandiu dos EUA para vários países e foi o estilo que marcou a década de 60, seu principal divulgador foi Chubby Checker.[1]
      Era uma dança que tinha muitos movimentos pélvicos, com torções do tronco, flexões de pernas até o chão e subindo de novo. Era muito alegre e me conquistou totalmente. Meu grande sonho era dançar “twist” e não via qualquer impedimento do “alto” dos meus 4 ou 5 anos de idade. No entanto, os aparelhos que usava eram verdadeiras armaduras metálicas, cheias de correias de couro e fivelas. Nada indicado  para uma dança frenética! Mas vai dizer isso a uma criaturinha teimosa como eu... Era só tocar no rádio e lá estava eu tentando dançar, me torcer, mover pernas e bengalas, tudo ao mesmo tempo.  Para uma imaginação infantil, não existem obstáculos, barreiras, tudo se pode!
       Então, um dia, eu me esforcei mais e mais, torci e retorci, tentei ir até o chão....e fui!!! Ouvi um “CRECK” bem alto, senti que meu equilíbrio estava completamente comprometido e nada mais me segurou. O aparelho tinha se quebrado com tanto “twist”! Gritei o mais alto que pude:
       _ Mãe!!! Socorro!!! Estou caindo!!! Acode aqui!!!

       E foi assim que a dança entrou na minha vida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

CANTO REBELDE
Sou pássaro sem asas,
De vôo anulado,
Sem tiros, abatido,
Sem algemas, algemado.

Sou pássaro sem asas,
Solitário, no escuro,
Sem réstia de sol, sem azul,
Sem presente nem futuro.

Sou pássaro sem esperança,
Mas um trunfo posso jogar,
Um pássaro, mesmo sem asas,
Ainda pode cantar.

E canto, bem alto canto canto!
Mesmo pra quem não quer escutar,
Pois a razão de todo este pranto
É a tristeza de não poder voar.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Pirapora, meu amor

Pirapora, meu amor

Não sei como vim parar aqui.
Localizei um ponto no mapa e vim.
Porque não era ainda dona de mim,
Vim com medo, dúvidas...sei lá.
Mas bastou um por-do-sol, um só
E já eras dona do meu coração!
Tantas cores e luzes preciosas
Misturadas qual paleta de pintor
Ah! Pirapora, quase sem pensar
Já te chamei: meu amor!
Sem sentir, aqui forjei minha história
Foram lutas, lágrimas e sorrisos
Trabalho, trabalho, trabalho...
Mas sempre havia um por-do-sol.
Pirapora quente, de solo fervente
Som de cachoeira acalentando o meu sono
Rio que lava tantas e tantas mágoas
Carrega minhas lágrimas
Para salgar mais o mar...
Como não te amar?
Passeio em tuas ruas com carinho.
E nessa troca, há sempre um sorriso,
Um abraço, um beijo a se ofertar.
Sinto-me aninhada nesse amor.
Aqui quero ser plantada
Quando, a contragosto, me for...
Pirapora de festas, de raças, de fogos
De frutas, de danças, de tradição.
Ando pelo mundo afora
E levo comigo tuas cores.
Meus olhos se encantam
Há muitas maravilhas para se ver.
Mas teu por-do-sol nada iguala,
Está impresso na mente, nos olhos, na alma.
Assim, a palavra se cala...
O que mais pode dizer
Um pobre coração lusitano?
Nada mais, nada menos que:
Pirapora, te amo!


quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Trança de Estrelas

                                

    TRANÇA DE ESTRELAS

Eu trancei estrelas nos meus cabelos
Para te encontrar.
Só a luz das estrelas pode avançar
Sobre a bruma que nos separa.
Estamos em planos diferentes.
Dimensões paralelas que se encontram
No Infinito.
Agora entendo a nostalgia
Habitante de minha alma, desde menina.
Agora sei porque olhei as estrelas
Por tantas e tantas noites
Em vão.
Em vão estive em tantos abraços
Afaguei tantas mãos e faces
Provei o sabor de muitos beijos
Mas nada preencheu meu peito vazio.
Eu vim só... Eu vim só!
E por mais que tenha gente à minha volta,
Estou sempre só.
Por mais que eu procure,
Ainda estarei só.
Eu trancei estrelas nos meus cabelos
Para te encontrar.
E a luz delas avançou sobre a bruma
Que nos separa.
E então vi teu coração
Pulsando ao me aproximar.
Não havia mais sombra nem solidão.
Só a luz das estrelas e um amor
Cheio de compaixão.
Amor sem medo, afetuoso
Sintonia de almas que se completam.
Eu vim só.
Era a minha vez, a minha falta,
A minha luta, a oportunidade,
Quem sabe, a minha vitória.
Estás sempre por perto, eu sei.
Pressinto a tua presença,
Adivinho o teu pensamento.
A luz das estrelas traz-me essa certeza.
Mas há noites sem estrelas!
Para uma alma só,
São tão longas e tristes
As noites sem estrelas...